Os Santal
Em 1867, um missionário norueguês, Lars Skrefsrud e seu colega
dinamarquês, um leigo de nome Hans Borreson, descobriram um
povo composto de dois milhões e meio de pessoas, vivendo numa
região ao norte de Calcutá, na índia. Esse povo recebera o nome de
Santal.
Skrefsrud logo mostrou-se um exímio lingüista. Ele aprendeu
tão depressa o santal que pessoas de regiões distantes afluíam para
ouvir um estrangeiro falar tão bem a sua língua!
Com a maior rapidez possível, Skrefsrud começou a proclamar
o evangelho aos santal. Ele naturalmente ficou imaginando quantos anos seriam necessários antes que o povo santal viesse a abrir o
seu coração para a mensagem ou sequer mostrar interesse por ela,
desde que estava tão afastado de qualquer influência judaica ou
cristã.
Para grande espanto de Skrefsrud, os santal ficaram quase
imediatamente entusiasmados com a mensagem do evangelho.
Finalmente,
ele ouviu os sábios de Santal, inclusive um, chamado Kolean,
exclamarem: “ O que este estrangeiro está dizendo deve significar
que Thakur Jiu não se esqueceu de nós depois de tanto tempo!” .
Skrefsrud, atônito, prendeu a respiração. Thakur era uma palavra
santal, que significava “ verdadeiro” . Jiu traduzia “ deus” .
O Deus Verdadeiro?
Skrefsrud não estava, então, introduzindo um novo conceito ao
falar de um Deus supremo. Os sábios de Santal delicadamente puseram
de lado a terminologia que ele estivera usando para Deus e insistiram
em que Thakur Jiu era o nome certo para ser usado.
Aquele
nome estivera, evidentemente, nos lábios dos santal desde há muito
lempo!
“ Como vocês sabem a respeito de Thakur Jiu?” perguntou
Skrefsrud (talvez um tanto decepcionado).
“ Nossos ancestrais o conheciam no passado", responderam os
santal sorrindo.
“ Muito bem” , continuou Skrefsrud, “ tenho outra pergunta. Desde
que sabem sobre Thakur Jiu, por que não o adoram em lugar do
sol, ou pior ainda, dos demônios?”
A expressão dos santal mudou. “ Essas” , responderam eles,
"são as más notícias".
Então, o sábio santal, chamado Kolean, adiantou-se
e disse: “ Vou lhe contar a história desde o principio” .
Não só Skrefsrud, mas todo o grupo mais jovem dos santal silonciou,
enquanto Kolean, um ancião respeitado, desenrolou uma
história que levantou a poeira depositada sobre séculos de tradição
oral dos santal:
Há muito, muito tempo atrás, segundo Kolean, Thakur Jiu - o
Deus Verdadeiro - criou o primeiro homem - Haram - e a primeira
mulher - Ayo - e colocou-os bem longe, na região oeste da índia
chamada Hihiri Pipiri. Ali, um ser chamado Lita tentou fazer cerveja
iln arroz e, depois, induziu-os a jogar parte da cerveja no solo como
uma oferta a Satanás. Haram e Ayo se embriagaram com a cerveja e
ilormiram. Ao acordar souberam que estavam nus e tiveram vergonha.
Skrefsrud maravilhou-se com o paralelo bíblico na história de
i' ol®an.
Porém, havia mais...
Mais tarde, Ayo teve sete filhos e sete filhas de Haram, os
quais se casaram e formaram sete clãs. Os clãs migraram para uma
região chamada Kroj Kaman, onde se tornaram corruptos. Thakur Jiu
chamou a humanidade para “ voltar a Ele” . Quando o homem se recusou,
Thakur Jiu escondeu um “ casal santo” numa caverna no monte
Harata (note a semelhança com o nome bíblico Ararate), destruindo,
a seguir, o restante da humanidade através de um dilúvio. Tempos
depois, os descendentes do “ casal santo” se multiplicaram e migraram
para uma planície de nome Sasan Beda (“ campo de mostarda” ).
Thakur Jiu os dividiu ali em muitos povos diferentes.
Um ramo da humanidade (que chamaremos proto-santal) migrou
primeiro para a “ terra de Jarpi" e depois continuou avançando
para leste “ de floresta em floresta” , até que altas montanhas bloquearam
o seu caminho. Eles procuraram desesperadamente uma
passagem através das montanhas, mas todas se mostraram intransponíveis,
pelo menos para as mulheres e crianças. De maneira bem
semelhante a Israel no Sinai, o povo desanimou em sua jornada.
Naqueles dias, explicou Kolean, os proto-Santal, como descendentes
do casal santo, ainda reconheciam Thakur Jiu como o Deus
verdadeiro. Porém, ao enfrentar essa crise, eles perderam a fé no
mesmo e deram o primeiro passo em direção ao espiritismo. “ Os espíritos
dessas grandes montanhas bloquearam nosso caminho” , decidiram
eles. “ Vamos nos ligar a eles por meio de um juramento, a
fim de nos permitirem passar” . Eles entraram, então, em aliança com
os "Maran Buru” (espíritos das grandes montanhas), dizendo: “ Ó,
Maran Buru, se abrirem o caminho para nós, iremos praticar o apaziguamento
dos espíritos quando alcançarmos o outro lado” .
Skrefsrud tinha, sem dúvida, achado estranho que o nome santal
para espíritos perversos significasse literalmente “ espíritos das
grandes montanhas", especialmente por não existirem grandes montanhas
na terra em que os santal habitavam na época. Ele agora
compreendia a razão.
"Pouco depois” , continuou Kolean, “ eles descobriram uma passagem
(a Passagem Khyber?) na direção do sol nascente.” Chamaram
essa passagem de Bain, que significa “ porta do dia". Assim, os
proto-santal atravessaram para as planícies denominadas, hoje, Paquistão
e índia. Migrações subseqüentes os impeliram mais para o
leste, até às regiões fronteiriças entre a índia e a atual Bangladesh,
onde se tornaram o povo santal dos dias de hoje.
Escravos de seu juramento e não por amor aos Maran Buru, os
santal começaram a praticar o apaziguamento dos espíritos, feitiçaria
e até adoração do sol. Kolean acrescentou: “ No início, não tínhamos deuses.
Os ancestrais antigos só obedeciam a Thakur . Depois de
descobrir outros deuses, fomos nos esquecendo cada vez mais de
Thakur, até que restou apenas o seu nome.
Atualmente alguns dizem” , Kolean continuou, “ que o deus-sol é
Thakur. Assim sendo, quando há cerimônias religiosas... algumas
pessoas olham para o sol...e falam com Thakur. Mas os nossos pais
nos contaram que Thakur é distinto. Ele não pode ser visto com os
olhos da carne, mas tudo vê. Ele criou todas as coisas. Colocou tudo
em seu lugar e sustenta a todos, grandes e pequenos.”
Como Skrefsrud respondeu? Alguns missonários, com certeza
responderam em situações semelhantes, dizendo: “ Esqueçam-se
desse ente que julgam ser Deus! Ele só pode ser o diabo! Vou lhes
contar quem é o verdadeiro Deus” . Esse tipo de reação arrogante,
com freqüência, destruiu o potencial de resposta de povos inteiros.
Skrefsrud não pertencia a essa classe. Assim como Abraão
aceitou El Elyon, o nome cananeu dado por Melquisedeque a Deus, e
da mesma forma que Paulo e Barnabé, João e seus sucessores seguiram
o caminho aberto pelos filósofos gregos, quando aceitaram os
nomes gregos Logos e Theos como válidos para o Altíssimo, Lars
decidiu também aprender uma lição de Kolean e seus ancestrais. Ele
aceitou Thakur Jiu como o nome de Javé entre os santal.
Skrefsrud não encontrou qualquer elemento de erro ligado ao
nome Thakur Jiu, que pudesse desqualificá-lo. Ele não se achava na
categoria de Zeus, digno de rejeição, mas de Theos/Logos, merecedor
de aceitação. Além disso, raciocinou ele, se, como norueguês,
podia chamar o Altíssimo de Gud - cujo nome surgira de um ambiente
tão pagão quanto Theos em grego e Deus em fatim - os santaf
tinham então, certamente, direito de chamá-lo Thakur Jiu!
Skrefsrud aceitou o nome!
Durante algum tempo, ele achou estranho
ouvir de seus próprios lábios a proclamação de Jesus Cristo
como Filho de Thakur Jiui Mas isso só por algumas semanas. Depois,
a estranheza se foi. Sem dúvida, deve ter sido igualmente estranho
quando alguém afirmou que Jesus Cristo era o Filho de Theos,
ou de God, ou de Gud, ou, finalmente, de Deus\
A aceitação do nome santal para Deus, por parte de Skrefsrud,
fez qualquer diferença? Uma rosa, qualquer seja o nome pelo qual a
chamem, não continua com o mesmo perfume? Num jardim, isso
acontece, mas não na memória! A própria palavra “ rosa” tem o poder
de evocar a reminiscência da cor e do perfume. Substituir o seu nome
por cardo não mudará a rosa, mas eliminará a lembrança saudosa
do ouvinte. Durante séculos incontáveis, os filhos dos santal cresceram
ouvindo os pais exclamarem em seus jardins ou ao redor do fogo:
“ Ó, se apenas nossos antepassados não tivessem cometido 6 3 -
se grave erro conheceríamos Thakur Jiu ainda hoje! Mas do modo
como as coisas estão, perdemos contato com ele.
Fomos, provavelmente,
postos de lado como um povo indigno e ele não quer mais nada
conosco, porque nossos antepassados voltaram-lhe as costas
naquela hora difícil nas montanhas, há tanto tempo atrás!” .
O uso do termo familiar Thakur Jiu, diante de qualquer audiência
santal iria, portanto, evocar inúmeras lembranças, tornando os ouvintes,
geralmente, mais contemplativos, curiosos e até mesmo
prontos a corresponder.
Foi exatamente este o efeito que a pregação de Skrefsrud e
Borreson produziu!
De fato, antes que Skrefsrud e Borreson percebessem
o que ocorria, eles se viram literalmente rodeados de milhares
de indivíduos do povo santal pedindo que lhes ensinassem como
reconciliar-se com Thakur Jiu através de Jesus Cristo! A possibilidade
de ser eliminada a separação entre a sua raça e Thakur Jiu os
empolgou ao máximo!
À medida que o ensino dos interessados causou conversões e
batismos, pastores sérios, em igrejas tradicionais da Europa, logo ficaram
espantados com relatórios procedentes da índia, afirmando
que Skrefsrud e Borreson estavam batizando diariamente os santal,
numa média, durante um período, de cerca de 80 indivíduos irradiando
alegria!
“
Alguma coisa deve estar errada!” exclamaram certos teólogos
europeus, julgando impossível que os “ pagãos que viveram nas trevas"
durante tanto tempo pudessem conhecer o suficiente sobre
Deus e o caminho da salvação para serem convertidos e batizados
tão depressa, através do ministério de Skrefsrud e Borreson, e em
tão grande número! Até mesmo a alegação de oito batismos por dia
teria confundido a mente dos clérigos europeus, a maioria dos quais
teria considerado a média de um batismo por semana como prova de
que a bênção de Deus se derramara poderosamente sobre o seu ministério!
Oitenta batismos por dia significavam, porém, que as jovens
igrejas santal na “ índia Hindu” estavam crescendo 500 vezes mais
depressa do que a maioria das igrejas na “ Europa Cristã” !
Os cristãos
que protestaram durante longo tempo, afirmando que as missões
para a Ásia seriam absolutamente inúteis, em vista dos asiáticos serem
obstinados em seus pontos de vista e não poderem, de forma alguma,
compreender o evangelho, ficaram atônitos. Skrefsrud e Borreson,
toda vez que voltavam à Europa para fazer palestras nas
igrejas, eram constantemente saudados como heróis da fé por milhares
de cristãos comuns que, ouvindo falar da conversão dos santal,
viajavam grandes distâncias para ouvir os dois homens.
O resultado foi um grande reavivamento da vida espiritual em muitas igrejas da
Europa. Alternando com essas explosões gratificantes do aplauso
público, comitês de clérigos carrancudos reuniram-se para interrogar
Skrefsrud e Borreson respectivamente. Eles se sentiam obrigados a
duvidar da profundidade da reação dos santal, pensando talvez que o
sucesso surpreendente de Skrefsrud e Borreson entre os “ pagãos”
viesse a ter um reflexo negativo sobre os seus próprios ministérios
laboriosos na “ Europa iluminada” .
Enquanto isso, na fronteira entre os santal e a índia, os cristãos
santal continuaram a manifestar o caráter cristão e provaram seu
fervor ao divulgarem corajosamente o evangelho entre o seu povo.
Skrefsrud contou 15.000 batismos durante os seus anos na índia. No
decorrer desse período, ele traduziu grande parte da Bíblia para a
língua santal, compilou uma gramática e um dicionário santal, registrou
inúmeras tradições desse povo para a posteridade e persuadiu o
governo colonial a aprovar leis protegendo a minoria santal da exploração
impiedosa de seus vizinhos hindus.
Surpresos com o tamanho da colheita que haviam iniciado,
Skrefsrud, Borreson e suas esposas enviaram um pedido de SOCORRO!
Outros missonários apressaram-se a socorrê-los, a fim de
ceifar a colheita santal que amadurecia velozmente; e depois de poucas
décadas, mais 85.000 crentes foram batizados pela missão santal
de Skrefsrud. A essa altura, grupos batistas e outros haviam corrido
para colocar seus marcos de propriedade ao longo do filão santal,
sendo responsáveis por várias dezenas de milhares de novos
cristãos!
A história dos santal é apenas uma entre centenas de casos em
que povos inteiros do mundo não-cristão demonstraram maior entusiasmo
em receber o evangelho do que nós, cristãos, mostramos em
enviá-lo a eles.