A ESCRAVIDÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
A escravidão tem sido um dos piores males e uma das páginas mais sombrias da história humana na terra. Dificilmente um dia olharemos para trás e retiraremos a culpa de nossos antepassados em perpetuar tanta maldade, crueldade e desumanidade para com o próximo. Os neo-ateus sabem disso, e veem nisso uma ótima oportunidade para fazer aquilo que eles mais sabem fazer: atacar o Cristianismo, custe o que custar. O problema é que a maioria esmagadora dos neo-ateus jamais leu a Bíblia toda na vida. Sua militância se baseia inteiramente em versos isolados, grosseiramente tirados do contexto, sem nenhum tipo de exegese ou hermenêutica, e se resumindo meramente àquilo que é divulgado através de livros e blogs neo-ateístas.
Quando os neo-ateus veem a palavra “escravo” em alguma tradução da Bíblia em língua portuguesa, e aparentemente em um contexto onde aprova tal escravidão, ele imediatamente acusa a Bíblia de ser a favor do tipo de escravidão que ele está acostumado a ver nos filmes, a ler nos livros e a estudar na escola. O problema, para começar, é que este tipo de escravidão sequer está presente nas páginas do Antigo Testamento – o mais usado pelos neo-ateus. Há uma diferença colossal e monumental entre a escravidão clássica que ele tem em mente, e a “escravidão” presente nos tempos do Antigo Testamento.
A escravidão clássica é aquela coisa brutal instigada pelo racismo, onde homens brancos escravizavam homens negros por crerem que estes últimos eram seres inferiores ou “sem alma”. Os escravos africanos eram conduzidos desumanamente em navios negreiros com péssimas condições de vida, onde muitos deles morriam e eram lançados ao mar; e por fim chegavam às mãos de capatazes que os açoitavam no tronco o quanto quisessem – muitas vezes até a morte ou à perda dos sentidos – pois os negros não eram tratados como algo mais do que mera mercadoria.
Essa escravidão sanguinária e monstruosa jamais fez parte da lei de Moisés, nem foi incentivada em parte nenhuma da Bíblia. Comparar este conceito popular sobre escravidão com a “escravidão” entre os judeus do Antigo Testamento é uma jogada leviana e desonesta.
Mas, então, como entender os versos bíblicos que falam sobre escravidão na lei de Moisés? Em primeiro lugar é necessário entender a amplitude das palavras geralmente traduzidas por “escravo” no Antigo Testamento. Uma das palavras mais utilizadas, com 289 ocorrências na Bíblia, é עָבַד (transliterado como `abad), que sequer significa “escravo” propriamente dito, mas apenas um “servo” ou “empregado”.
A palavra "ABAD" usada em diversos contextos onde claramente não tem nada a ver com escravidão. Por exemplo, Deus diz para toda a comunidade israelita que “seis dias trabalharás, mas no sétimo descansarás” (Êx.34:21). A palavra aqui traduzida como “trabalharás” é justamente `abad. Se ela significa “escravo”, teríamos que concluir que todos os israelitas eram escravos, pois esta é uma ordenança geral e nenhum deles poderia trabalhar (`abad) no sábado. O fato de todos os israelitas trabalharem (`abad) durante seis dias da semana mostra que `abad não era uma palavra que tinha uma conotação “escravista”.
Quando os neo-ateus veem a palavra “escravo” em alguma tradução da Bíblia em língua portuguesa, e aparentemente em um contexto onde aprova tal escravidão, ele imediatamente acusa a Bíblia de ser a favor do tipo de escravidão que ele está acostumado a ver nos filmes, a ler nos livros e a estudar na escola. O problema, para começar, é que este tipo de escravidão sequer está presente nas páginas do Antigo Testamento – o mais usado pelos neo-ateus. Há uma diferença colossal e monumental entre a escravidão clássica que ele tem em mente, e a “escravidão” presente nos tempos do Antigo Testamento.
A escravidão clássica é aquela coisa brutal instigada pelo racismo, onde homens brancos escravizavam homens negros por crerem que estes últimos eram seres inferiores ou “sem alma”. Os escravos africanos eram conduzidos desumanamente em navios negreiros com péssimas condições de vida, onde muitos deles morriam e eram lançados ao mar; e por fim chegavam às mãos de capatazes que os açoitavam no tronco o quanto quisessem – muitas vezes até a morte ou à perda dos sentidos – pois os negros não eram tratados como algo mais do que mera mercadoria.
Essa escravidão sanguinária e monstruosa jamais fez parte da lei de Moisés, nem foi incentivada em parte nenhuma da Bíblia. Comparar este conceito popular sobre escravidão com a “escravidão” entre os judeus do Antigo Testamento é uma jogada leviana e desonesta.
Mas, então, como entender os versos bíblicos que falam sobre escravidão na lei de Moisés? Em primeiro lugar é necessário entender a amplitude das palavras geralmente traduzidas por “escravo” no Antigo Testamento. Uma das palavras mais utilizadas, com 289 ocorrências na Bíblia, é עָבַד (transliterado como `abad), que sequer significa “escravo” propriamente dito, mas apenas um “servo” ou “empregado”.
A palavra "ABAD" usada em diversos contextos onde claramente não tem nada a ver com escravidão. Por exemplo, Deus diz para toda a comunidade israelita que “seis dias trabalharás, mas no sétimo descansarás” (Êx.34:21). A palavra aqui traduzida como “trabalharás” é justamente `abad. Se ela significa “escravo”, teríamos que concluir que todos os israelitas eram escravos, pois esta é uma ordenança geral e nenhum deles poderia trabalhar (`abad) no sábado. O fato de todos os israelitas trabalharem (`abad) durante seis dias da semana mostra que `abad não era uma palavra que tinha uma conotação “escravista”.
Há outros contextos que mostram que `abad não tinha uma conotação de “escravidão” necessariamente, como, por exemplo, as várias ocasiões onde `abad aparece no sentido de “servir ao Senhor” (Êx.7:16; 8:1,20; 9:1; 10:3,7,8,11,24,26; 12:31, etc), que nada mais era do que prestar um culto religioso a Deus. Há também a proibição bíblica a servir (`abad) a outros deuses (Dt.5:9; 11:16; 12:2; 13:6), embora claramente os pagãos não fossem “escravos” destes ídolos, mas adoradores.
Outra ocorrência bastante interessante de `abad está em Números 4:24, ocasião na qual o clã gersonita (que fazia parte da tribo de Levi) tinha o serviço (`abad) no templo de “levar as cortinas internas do tabernáculo, a Tenda do Encontro, a sua cobertura, a cobertura exterior de couro, as cortinas da entrada da Tenda do Encontro” (Nm.4:25). É evidente que este não era um trabalho escravo, mas uma simples divisão de tarefas entre as várias tribos de Israel.
Há também outra palavra frequentemente associada na Bíblia com a “escravidão”, com 800 ocorrências, a qual é עבד (transliterado como `ebed). A Concordância de Strong dá a esta palavra os significados:
1) escravo, servo.
1a) escravo, servo, servidor.
1b) súditos.
1c) servos, adoradores (referindo-se a Deus).
1d) servo (em sentido especial como profetas, levitas, etc.).
1e) servo (referindo-se a Israel).
1f) servo (como forma de dirigir-se entre iguais).
No entanto, esta palavra não é mais do que um sinônimo de `abad. Os servos de Abraão, que não eram escravos, mas apenas trabalhadores, também eram `ebed (Gn.12:16; 14:15; 24:10), assim como Ló era `ebed dos anjos (Gn.19:19) e Abraão era `ebed do Senhor (Gn.18:5). Um `ebed podia ser alguém em uma posição inferior na escala social, mas não um “escravo” no sentido usual do termo. Assim sendo, Jacó era “servo” (`ebed) de Esaú (Gn.32:4,18,20; 33:5), embora fosse irmão dele e nunca o tenha “servido” de fato. Da mesma forma, os onze irmãos de José eram “servos” (`ebed) dele (Gn.44:16), mas nunca foram “escravos”. Até o pai de José era chamado de `ebed dele (Gn.44:27).
O estudioso bíblico John Goldingay também concorda com esta análise preliminar sobre os vocábulos `abad e `ebed. Ele assinalou que “não há nada de intrinsecamente humilde ou indigno em ser um `ebed. Em vez disso, era um termo honroso e digno”[5]. Nosso próximo passo é ver se os `abad e `ebed em Israel, sob a sanção da lei de Moisés, tinham uma conotação pejorativa escravocrata, ou se era uma mera referência a um trabalhador ou servo, de acordo com o sentido geral destes termos na Escritura.
Quando também teu irmão empobrecer, estando ele contigo, e vender-se a ti, não o farás servir como escravo.
Como diarista, como peregrino estará contigo; até ao ano do jubileu te servirá;
Então sairá do teu serviço, ele e seus filhos com ele, e tornará à sua família e à possessão de seus pais.
Porque são meus servos, que tirei da terra do Egito; não serão vendidos como se vendem os escravos.
Levítico 25:39-42
Como diarista, como peregrino estará contigo; até ao ano do jubileu te servirá;
Então sairá do teu serviço, ele e seus filhos com ele, e tornará à sua família e à possessão de seus pais.
Porque são meus servos, que tirei da terra do Egito; não serão vendidos como se vendem os escravos.
Levítico 25:39-42
O conceito básico da “escravidão” entre os hebreus, portanto, não era de um trabalhador forçado que tinha que trabalhar até o fim da vida sendo tratado como mera mercadoria nas mãos de um capataz que tem o poder de fazer o que quiser com ele. Ao contrário: era de trabalhadores devidamente assalariados, porque tudo o que trabalhavam era descontado diariamente da dívida contraída até que a mesma fosse quitada, e então o trabalhador era liberado de seu serviço. Por isso, o “escravo” israelita era corretamente equiparado ao “trabalhador contratado ou residente temporário” (v.40).
Claramente, a “escravidão” em Israel não tinha nenhum traço ou semelhança com o conceito popular que temos sobre escravidão, a qual existia nos outros povos da época.
Há um texto em especial que é particularmente mais difícil e que parece confrontar este estudo, a uma primeira vista. No entanto, se analisado dentro de seu devido contexto, ele reforça o que foi dito até aqui, ao invés de derrubar. O texto em questão se encontra em Êxodo 21:20-21, que diz:
“Se alguém ferir seu escravo ou escrava com um pedaço de pau, e como resultado o escravo morrer, será punido; mas se o escravo sobreviver um ou dois dias, não será punido, visto que é sua propriedade” (Êxodo 21:20-21)
O texto deixa a entender que o escravo poderia apanhar o quanto quisesse que não haveria problema algum, desde que não causasse a morte. Em caso de morte do escravo, a punição (embora não especificada aqui) é presumivelmente a pena capital, uma vez que ela é a pena atribuída ao assassinato ao longo de todo o capítulo, tornando implícito neste texto a punição capital (não seria necessário repetir que a pena seria a morte, uma vez que esta é a punição-padrão para este tipo de ação).
Isso, por si só, é suficiente para mostrar que o escravo não era visto como “mercadoria”, pois neste caso não haveria qualquer problema em matá-lo, pois ninguém pune alguém por destruir algo que é dele mesmo (neste caso, a morte do escravo seria um direito legal, e não algo que fosse punido com morte!). É por isso que as leis das outras nações não previam qualquer tipo de punição para quem matasse um escravo que é seu, já que, como é seu, você poderia fazer o que quisesse com ele. A lei de Moisés era a única que não via o escravo como uma simples propriedade, e por isso punia com morte aquele que matasse algum `ebed.
Mas ainda há o problema da segunda metade (o v.21), que diz que se o escravo permanecesse vivo por dois dias não haveria punição. A razão para isso não era porque o escravo era visto como mercadoria (o que é fortemente rejeitado no v.20), mas sim porque era dado ao patrão o benefício da dúvida, ou seja, de que ele não tinha tido a intenção de matar o servo, mas apenas discipliná-lo por algum mal que ele possa ter feito, ou então por causa de um ferimento não-intencional.
“Neste caso, o chefe não iria ser condenado à morte, uma vez que o assassinado teria sido acidental. Isso não significa que patrões devessem tentar fazer com que seus servos morressem depois de dois dias, nem que isto tenha sido de alguma forma moral ou bom. O texto não diz isso. Ele está simplesmente dizendo que se uma morte acidental ocorresse após uma punição disciplinar, o patrão não merecia a morte. Vida por vida era aplicada somente quando havia uma intenção consciente de assassinato”
Para mostrar que esta era uma regra que valia até mesmo para os homens livres, basta recorrer aos vários trechos da lei onde um israelita matava outro israelita sem intenção, e nestes casos a punição pela morte nunca era a pena capital para quem não teve a intenção de matar, mas sim a ida a uma das “cidades de refúgio”, onde estaria protegido do “vingador do sangue” (Nm.35:10-28). Portanto, nem mesmo a morte não-intencional de homens livres era punida com a morte. A forma de punição era apenas a preservação do indivíduo em uma cidade isolada, e no caso de quem matasse um escravo acidentalmente era de perder o próprio escravo (e, consequentemente, de não ter a retribuição financeira que teria, caso o servo continuasse trabalhando até pagar a dívida contraída). Portanto, o texto não se trata de discriminação contra escravos.
O que mais lança luz ao caso é justamente o seu contexto, pois os versos imediatamente anteriores tratam de uma situação hipotética semelhante, só que na relação entre homens livres e não entre homem livre e escravo. Vejamos:
“Se dois homens brigarem e um deles ferir o outro com uma pedra ou com o punho e o outro não morrer, mas cair de cama, aquele que o feriu será absolvido, se o outro se levantar e caminhar com o auxílio de uma bengala; todavia ele terá que indenizar o homem ferido pelo tempo que este perdeu e responsabilizar-se por sua completa recuperação” (Êxodo 21:18-19)
A mesma coisa que vale para o caso do escravo ferido também serve para o homem livre ferido. Em nenhum dos dois casos há a pena de morte quando não há a morte da outra pessoa, porque lhe é dado o benefício da dúvida. A diferença é que quem fere um homem livre tem que pagar o tratamento dele, enquanto aquele que feriu um escravo tem que libertá-lo (Êx.21:26-27), o que em ambos os casos geram prejuízo financeiro para o indivíduo que feriu alguém. Como o trabalho realizado pelo servo já era em si mesmo uma fonte de renda para o patrão, o fato de o escravo sair livre já era em si mesmo uma perda para o mesmo, proporcionalmente equivalente ao dano que ele teria caso tivesse agredido um homem livre ao invés de um escravo.
Sobre a parte final do verso, que diz que “o escravo é sua propriedade”, isso não deve ser entendido como sendo “apenas” propriedade (no sentido escravocrata clássico do termo). Paul Copan faz uma importante observação sobre isso ao dizer:
“Mesmo quando os termos comprar, vender ou adquirir são usados para os funcionários/empregados, eles não implicam que a pessoa em questão seja ‘apenas propriedade’. Pense em um jogador de futebol nos dias de hoje, que é ‘negociado’ para outra equipe, para a qual ele ‘pertence’. Sim, as equipes têm ‘donos’, mas nem de longe estamos falando de escravidão aqui! Em vez disso, estes são acordos contratuais formais”[20]
Portanto, embora o texto de Êxodo 21:20-21 seja de difícil interpretação e possa aparentemente levar a equívocos se analisado apenas superficialmente, não há nada nele que comprometa o sentido real e verdadeiro de `ebed à luz da Bíblia, se examinado mais cuidadosamente.
Os escravos prisioneiros de guerra
O segundo tipo de escravidão presente na lei de Moisés era referente aos estrangeiros que eram derrotados em uma batalha e, por um ato de misericórdia, tinham suas vidas poupadas e passavam a servir o povo que os venceu. Em primeiro lugar, é fundamentalmente importante distinguir esses estrangeiros dos estrangeiros em geral. A lei de Moisés era em disparado a lei que mais beneficiava estrangeiros dentre todas as leis da época. Esses estrangeiros, uma vez circuncidados, passavam a integrar a sociedade judaica e tinham os mesmos direitos de um cidadão nascido na terra:
“Vocês terão a mesma lei para o estrangeiro e para o natural. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levítico 24:22)
“A assembleia deverá ter as mesmas leis, que valerão tanto para vocês como para o estrangeiro que vive entre vocês; este é um decreto perpétuo pelas suas gerações, que, perante o Senhor, valerá tanto para vocês quanto para o estrangeiro residente” (Números 15:15)
O tratamento para com o estrangeiro em Israel também tinha que ser o mesmo tratamento devido aos próprios israelitas:
“O estrangeiro residente que viver com vocês será tratado como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levítico 19:34)
Há inúmeras passagens na lei que prescrevem o amor, cuidado e caridade para com esses estrangeiros. Por exemplo, um israelita não poderia exigir juros de um estrangeiro, nem lucrar em cima dele:
“Se alguém do seu povo empobrecer e não puder sustentar-se, ajudem-no como se faz ao estrangeiro e ao residente temporário, para que possa continuar a viver entre vocês. Não cobrem dele juro algum, mas temam o seu Deus, para que o seu próximo continue a viver entre vocês. Vocês não poderão exigir dele juros nem emprestar-lhe mantimento visando lucro” (Levítico 25:35-37)
Havia também uma lei que proibia a colheita em toda a extremidade da propriedade de um israelita livre, justamente com a finalidade de que os pobres e os estrangeiros fossem beneficiados com parte da colheita:
“Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até às extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita. Não passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem caído. Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levítico 19:9-10)
Em qual outro lugar do mundo alguém era proibido de colher parte da sua própria colheita, para dá-la necessariamente a um estrangeiro? Em lugar nenhum! A lei de Moisés foi certamente um marco histórico na ajuda e amparo aos indivíduos de outras nações, ao invés de tratá-los com desdém ou explorá-los:
“Não se aproveitem do pobre e necessitado, seja ele um irmão israelita ou um estrangeiro que viva numa das suas cidades. Paguem-lhe o seu salário diariamente, antes do pôr-do-sol, pois ele é necessitado e depende disso. Se não, ele poderá clamar ao Senhor contra você, e você será culpado de pecado” (Deuteronômio 24:14-15)
“Pois o Senhor, o seu Deus, é o Deus dos deuses e o Soberano dos soberanos, o grande Deus, poderoso e temível, que não age com parcialidade nem aceita suborno. Ele defende a causa do órfão e da viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e roupa. Amem os estrangeiros, pois vocês mesmos foram estrangeiros no Egito” (Deuteronômio 10:17-19)
“Não oprimam a viúva e o órfão, nem o estrangeiro e o necessitado. Nem tramem maldades uns contra os outros” (Zacarias 7:10)
“Não maltratem nem oprimam o estrangeiro, pois vocês foram estrangeiros no Egito” (Êxodo 22:21)
“Maldito quem negar justiça ao estrangeiro, ao órfão ou à viúva” (Deuteronômio 27:19)
“Não neguem justiça ao estrangeiro e ao órfão, nem tomem como penhor o manto de uma viúva” (Deuteronômio 24:17)
"’Eu virei a vocês trazendo juízo. Sem demora vou testemunhar contra os feiticeiros, contra os adúlteros, contra os que juram falsamente e contra aqueles que exploram os trabalhadores em seus salários, que oprimem os órfãos e as viúvas e privam os estrangeiros dos seus direitos, e não têm respeito por mim’, diz o Senhor dos Exércitos” (Malaquias 3:5)
A conclusão óbvia que chegamos é que os estrangeiros em Israel eram extremamente favorecidos, em um nível muito maior do que qualquer israelita seria recebido em outra nação. Isso bate frontalmente com a mentira descarada de alguns neo-ateus militantes, de que a moralidade em Israel valia somente para os membros do mesmo grupo, com hostilidade aos estrangeiros. Richard Dawkins, por exemplo, chegou a afirmar isso em seu livro mais famoso, onde ataca o Cristianismo com falácias, distorções e espantalhos em um nível nunca antes visto pelo homem:
“Jesus foi um devoto da mesma moralidade entre membros do mesmo grupo – associada à hostilidade a forasteiros – que era tida como certa no Antigo Testamento. Jesus era um judeu leal. Foi Paulo quem inventou a idéia de levar o Deus judeu aos gentios. Hartung usa um tom mais duro do que eu me atreveria: ‘Jesus teria se revirado no túmulo se soubesse que Paulo estava levando seu plano para os porcos’”[23]
Mas se o estrangeiro era tratado com amabilidade sem igual, de que forma podemos entender os textos que prescrevem a escravidão de não-israelitas? A resposta é que eles não se aplicam ao estrangeiro comum, nem aos não-israelitas como um todo, mas somente para com os soldados de outras nações que entravam em guerra contra os israelitas, perdiam e eram levados cativos (presos). Isso não se difere em absolutamente nada do que ocorre, por exemplo, nas prisões norte-americanas, onde alguém que faz algum mal é preso, e na prisão é forçado a trabalhar, a fim de impulsionar o desenvolvimento da nação ao invés de ser um parasita social. O problema é que no mundo antigo não havia um sistema prisional tão avançado como temos hoje. Isso era totalmente inviável para os padrões da época. Por essa razão, esses prisioneiros eram enviados para trabalhar nas lavouras das famílias israelitas, onde faziam a mesma coisa que um prisioneiro americano faz: trabalhar.
É importante ressaltar que este tipo de “escravidão” também não tinha qualquer relação com a escravidão clássica, que estamos acostumados a ter em mente. Excetuando o benefício do limite de seis anos de trabalho e do ano do jubileu, o prisioneiro que trabalhava para alguém tinha exatamente os mesmos direitos legais que um servo israelita tinha (e listamos vários deles no tópico anterior, de modo que não é necessário repetirmos aqui). A lei de Moisés em momento nenhum faz separação entre os “tipos de escravos” ao tratar sobre a benevolência necessária para com eles, ou sobre os direitos legais dos mesmos. Ao contrário, as leis sobre escravidão eram leis gerais que deviam ser aplicadas a qualquer escravo em Israel, fosse ele um prisioneiro de guerra ou um israelita endividado.
Portanto, aqui não estamos tratando de pessoas andando por aí com correntes em torno do pescoço, sendo açoitadas em um tronco e trabalhando até a exaustão, sob uma escravidão baseada em preconceito racial. Ao contrário: esse tipo de “escravidão” não era mais do que um preso nos dias de hoje, com a diferença de que havia muito mais liberdade, direitos e dignidade para o servo estrangeiro em Israel do que para um preso nos dias atuais.
É necessário sempre ressaltar que este tipo de “escravidão”, longe de ser aquela coisa monstruosa que os neo-ateus pintam, era justamente uma medida de misericórdia para com os “escravizados”, uma vez que o mais comum em uma batalha antiga era a morte de todos os soldados inimigos. Eles só eram poupados e mantidos em vida quando se rendiam, se entregando para o exército adversário, admitindo e concordando com sua própria sujeição. Em outras palavras, eram aquelas próprias pessoas que decidiam servir os israelitas, ao invés de preferir a morte. O fato de que no mundo antigo este tipo de servidão era visto como uma saída de misericórdia ao invés de algo degradante pode ser visto no caso dos gibeonitas, que enganaram Josué e que de livre vontade se entregaram para servir os israelitas ao invés de preferirem a morte:
“...‘Agora vocês estão debaixo de maldição: Nunca deixarão de ser escravos, rachando lenha e carregando água para a casa do meu Deus’. Eles responderam a Josué: ‘Os seus servos ficaram sabendo como o Senhor, o seu Deus, ordenou que o seu servo Moisés lhes desse toda esta terra e que destruísse todos os seus habitantes da presença de vocês. Tivemos medo do que poderia acontecer conosco por causa de vocês. Por isso agimos assim. Estamos agora nas suas mãos. Faça conosco o que lhe parecer bom e justo’. Josué então os protegeu e não permitiu que os matassem” (Josué 9:23-27)
Colocar algum povo inimigo derrotado em uma guerra em servidão era, como vemos, um modo de protegê-los, poupando-lhes a vida, e não era visto como um ato cruel ou imoral.
Mas ainda parece que há um problema. Por que, ao invés de colocar alguém em servidão no contexto da guerra, eles simplesmente não permitiam que continuassem vivendo em liberdade no mesmo lugar e da mesma forma que antes? Para responder a esta questão, é necessário entrar no contexto da guerra. Se o exército israelita (ou qualquer outro inserido numa guerra) os deixasse viver em total liberdade, seria mera questão de tempo para que eles se reerguessem e entrassem em guerra novamente, resultando em mais milhares de mortes e destruição de peso incalculável. Em meu livro “Deus é um Delírio?”, escrevi:
“Se uma nação inimiga tentasse invadir Israel e destruir todos os seres humanos naquela terra e Israel vencesse a batalha e os deixasse vivos e com liberdade, seria mera questão de tempo para que estes soldados inimigos se reunissem e atacassem de novo o país, resultando em mais mortes, mais vidas inocentes perdidas e até na possibilidade de genocídio. De fato, nenhuma guerra poderia ser vencida se os ganhadores deixassem o adversário vivo, forte e livre. A situação pioraria ainda mais se este inimigo se aliasse a outro inimigo, e eles não teriam a mesma misericórdia. Deixá-los todos vivos e com liberdade seria, portanto, um suicídio, e colocaria em risco a vida de toda a nação”[24]
A sujeição de um exército derrotado e potencialmente perigoso não é errado sob a perspectiva moral ou histórica, exceto se esta sujeição fosse violenta ou opressiva – o que, como vimos, não era o caso em Israel. Da mesma forma que hoje em dia não consideramos “errado” prender um criminoso na cadeia, mas somente se este criminoso for abusado ou agredido ali dentro, igualmente na época prender um soldado inimigo perigoso (de uma nação que costumava assassinar suas próprias crianças, é bom lembrar) não era em si mesmo imoral, exceto caso o mesmo fosse oprimido – e quando era, a lei obrigava soltá-lo (Êx.21:26-27).
Os escravos prisioneiros de guerra
O segundo tipo de escravidão presente na lei de Moisés era referente aos estrangeiros que eram derrotados em uma batalha e, por um ato de misericórdia, tinham suas vidas poupadas e passavam a servir o povo que os venceu. Em primeiro lugar, é fundamentalmente importante distinguir esses estrangeiros dos estrangeiros em geral. A lei de Moisés era em disparado a lei que mais beneficiava estrangeiros dentre todas as leis da época. Esses estrangeiros, uma vez circuncidados, passavam a integrar a sociedade judaica e tinham os mesmos direitos de um cidadão nascido na terra:
“Vocês terão a mesma lei para o estrangeiro e para o natural. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levítico 24:22)
“A assembleia deverá ter as mesmas leis, que valerão tanto para vocês como para o estrangeiro que vive entre vocês; este é um decreto perpétuo pelas suas gerações, que, perante o Senhor, valerá tanto para vocês quanto para o estrangeiro residente” (Números 15:15)
O tratamento para com o estrangeiro em Israel também tinha que ser o mesmo tratamento devido aos próprios israelitas:
“O estrangeiro residente que viver com vocês será tratado como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levítico 19:34)
Há inúmeras passagens na lei que prescrevem o amor, cuidado e caridade para com esses estrangeiros. Por exemplo, um israelita não poderia exigir juros de um estrangeiro, nem lucrar em cima dele:
“Se alguém do seu povo empobrecer e não puder sustentar-se, ajudem-no como se faz ao estrangeiro e ao residente temporário, para que possa continuar a viver entre vocês. Não cobrem dele juro algum, mas temam o seu Deus, para que o seu próximo continue a viver entre vocês. Vocês não poderão exigir dele juros nem emprestar-lhe mantimento visando lucro” (Levítico 25:35-37)
Havia também uma lei que proibia a colheita em toda a extremidade da propriedade de um israelita livre, justamente com a finalidade de que os pobres e os estrangeiros fossem beneficiados com parte da colheita:
“Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até às extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita. Não passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem caído. Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levítico 19:9-10)
Em qual outro lugar do mundo alguém era proibido de colher parte da sua própria colheita, para dá-la necessariamente a um estrangeiro? Em lugar nenhum! A lei de Moisés foi certamente um marco histórico na ajuda e amparo aos indivíduos de outras nações, ao invés de tratá-los com desdém ou explorá-los:
“Não se aproveitem do pobre e necessitado, seja ele um irmão israelita ou um estrangeiro que viva numa das suas cidades. Paguem-lhe o seu salário diariamente, antes do pôr-do-sol, pois ele é necessitado e depende disso. Se não, ele poderá clamar ao Senhor contra você, e você será culpado de pecado” (Deuteronômio 24:14-15)
“Pois o Senhor, o seu Deus, é o Deus dos deuses e o Soberano dos soberanos, o grande Deus, poderoso e temível, que não age com parcialidade nem aceita suborno. Ele defende a causa do órfão e da viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e roupa. Amem os estrangeiros, pois vocês mesmos foram estrangeiros no Egito” (Deuteronômio 10:17-19)
“Não oprimam a viúva e o órfão, nem o estrangeiro e o necessitado. Nem tramem maldades uns contra os outros” (Zacarias 7:10)
“Não maltratem nem oprimam o estrangeiro, pois vocês foram estrangeiros no Egito” (Êxodo 22:21)
“Maldito quem negar justiça ao estrangeiro, ao órfão ou à viúva” (Deuteronômio 27:19)
“Não neguem justiça ao estrangeiro e ao órfão, nem tomem como penhor o manto de uma viúva” (Deuteronômio 24:17)
"’Eu virei a vocês trazendo juízo. Sem demora vou testemunhar contra os feiticeiros, contra os adúlteros, contra os que juram falsamente e contra aqueles que exploram os trabalhadores em seus salários, que oprimem os órfãos e as viúvas e privam os estrangeiros dos seus direitos, e não têm respeito por mim’, diz o Senhor dos Exércitos” (Malaquias 3:5)
A conclusão óbvia que chegamos é que os estrangeiros em Israel eram extremamente favorecidos, em um nível muito maior do que qualquer israelita seria recebido em outra nação. Isso bate frontalmente com a mentira descarada de alguns neo-ateus militantes, de que a moralidade em Israel valia somente para os membros do mesmo grupo, com hostilidade aos estrangeiros. Richard Dawkins, por exemplo, chegou a afirmar isso em seu livro mais famoso, onde ataca o Cristianismo com falácias, distorções e espantalhos em um nível nunca antes visto pelo homem:
“Jesus foi um devoto da mesma moralidade entre membros do mesmo grupo – associada à hostilidade a forasteiros – que era tida como certa no Antigo Testamento. Jesus era um judeu leal. Foi Paulo quem inventou a idéia de levar o Deus judeu aos gentios. Hartung usa um tom mais duro do que eu me atreveria: ‘Jesus teria se revirado no túmulo se soubesse que Paulo estava levando seu plano para os porcos’”[23]
Mas se o estrangeiro era tratado com amabilidade sem igual, de que forma podemos entender os textos que prescrevem a escravidão de não-israelitas? A resposta é que eles não se aplicam ao estrangeiro comum, nem aos não-israelitas como um todo, mas somente para com os soldados de outras nações que entravam em guerra contra os israelitas, perdiam e eram levados cativos (presos). Isso não se difere em absolutamente nada do que ocorre, por exemplo, nas prisões norte-americanas, onde alguém que faz algum mal é preso, e na prisão é forçado a trabalhar, a fim de impulsionar o desenvolvimento da nação ao invés de ser um parasita social. O problema é que no mundo antigo não havia um sistema prisional tão avançado como temos hoje. Isso era totalmente inviável para os padrões da época. Por essa razão, esses prisioneiros eram enviados para trabalhar nas lavouras das famílias israelitas, onde faziam a mesma coisa que um prisioneiro americano faz: trabalhar.
É importante ressaltar que este tipo de “escravidão” também não tinha qualquer relação com a escravidão clássica, que estamos acostumados a ter em mente. Excetuando o benefício do limite de seis anos de trabalho e do ano do jubileu, o prisioneiro que trabalhava para alguém tinha exatamente os mesmos direitos legais que um servo israelita tinha (e listamos vários deles no tópico anterior, de modo que não é necessário repetirmos aqui). A lei de Moisés em momento nenhum faz separação entre os “tipos de escravos” ao tratar sobre a benevolência necessária para com eles, ou sobre os direitos legais dos mesmos. Ao contrário, as leis sobre escravidão eram leis gerais que deviam ser aplicadas a qualquer escravo em Israel, fosse ele um prisioneiro de guerra ou um israelita endividado.
Portanto, aqui não estamos tratando de pessoas andando por aí com correntes em torno do pescoço, sendo açoitadas em um tronco e trabalhando até a exaustão, sob uma escravidão baseada em preconceito racial. Ao contrário: esse tipo de “escravidão” não era mais do que um preso nos dias de hoje, com a diferença de que havia muito mais liberdade, direitos e dignidade para o servo estrangeiro em Israel do que para um preso nos dias atuais.
É necessário sempre ressaltar que este tipo de “escravidão”, longe de ser aquela coisa monstruosa que os neo-ateus pintam, era justamente uma medida de misericórdia para com os “escravizados”, uma vez que o mais comum em uma batalha antiga era a morte de todos os soldados inimigos. Eles só eram poupados e mantidos em vida quando se rendiam, se entregando para o exército adversário, admitindo e concordando com sua própria sujeição. Em outras palavras, eram aquelas próprias pessoas que decidiam servir os israelitas, ao invés de preferir a morte. O fato de que no mundo antigo este tipo de servidão era visto como uma saída de misericórdia ao invés de algo degradante pode ser visto no caso dos gibeonitas, que enganaram Josué e que de livre vontade se entregaram para servir os israelitas ao invés de preferirem a morte:
“...‘Agora vocês estão debaixo de maldição: Nunca deixarão de ser escravos, rachando lenha e carregando água para a casa do meu Deus’. Eles responderam a Josué: ‘Os seus servos ficaram sabendo como o Senhor, o seu Deus, ordenou que o seu servo Moisés lhes desse toda esta terra e que destruísse todos os seus habitantes da presença de vocês. Tivemos medo do que poderia acontecer conosco por causa de vocês. Por isso agimos assim. Estamos agora nas suas mãos. Faça conosco o que lhe parecer bom e justo’. Josué então os protegeu e não permitiu que os matassem” (Josué 9:23-27)
Colocar algum povo inimigo derrotado em uma guerra em servidão era, como vemos, um modo de protegê-los, poupando-lhes a vida, e não era visto como um ato cruel ou imoral.
Mas ainda parece que há um problema. Por que, ao invés de colocar alguém em servidão no contexto da guerra, eles simplesmente não permitiam que continuassem vivendo em liberdade no mesmo lugar e da mesma forma que antes? Para responder a esta questão, é necessário entrar no contexto da guerra. Se o exército israelita (ou qualquer outro inserido numa guerra) os deixasse viver em total liberdade, seria mera questão de tempo para que eles se reerguessem e entrassem em guerra novamente, resultando em mais milhares de mortes e destruição de peso incalculável. Em meu livro “Deus é um Delírio?”, escrevi:
“Se uma nação inimiga tentasse invadir Israel e destruir todos os seres humanos naquela terra e Israel vencesse a batalha e os deixasse vivos e com liberdade, seria mera questão de tempo para que estes soldados inimigos se reunissem e atacassem de novo o país, resultando em mais mortes, mais vidas inocentes perdidas e até na possibilidade de genocídio. De fato, nenhuma guerra poderia ser vencida se os ganhadores deixassem o adversário vivo, forte e livre. A situação pioraria ainda mais se este inimigo se aliasse a outro inimigo, e eles não teriam a mesma misericórdia. Deixá-los todos vivos e com liberdade seria, portanto, um suicídio, e colocaria em risco a vida de toda a nação”[24]
A sujeição de um exército derrotado e potencialmente perigoso não é errado sob a perspectiva moral ou histórica, exceto se esta sujeição fosse violenta ou opressiva – o que, como vimos, não era o caso em Israel. Da mesma forma que hoje em dia não consideramos “errado” prender um criminoso na cadeia, mas somente se este criminoso for abusado ou agredido ali dentro, igualmente na época prender um soldado inimigo perigoso (de uma nação que costumava assassinar suas próprias crianças, é bom lembrar) não era em si mesmo imoral, exceto caso o mesmo fosse oprimido – e quando era, a lei obrigava soltá-lo (Êx.21:26-27).
Quando uma nação inteira estava em “servidão”
Era costume de todas as nações que venciam suas guerras que o povo vencido fosse levado cativo – mantido vivo, mas com liberdade levemente restringida. Eles não tinham todos os mesmos direitos que um cidadão israelita comum, mas seus serviços prestados estavam absolutamente longe de ser equiparados à escravidão clássica. O próprio povo de Israel foi levado cativo para a Assíria (em 721 a.C) e para a Babilônia (em 587 a.C) quando foi derrotado em suas guerras, mas não há nada que indique que eles eram maltratados nestes lugares. Muito pelo contrário: muitos dos israelitas deportados (ou das gerações que se seguiram) alcançaram alta posição e status social no Estado, o que seria impossível se eles fossem tratados como “escravos”.
Daniel, por exemplo, se tornou o terceiro maior de toda a Babilônia e governador de 127 províncias (Dn.5:29), e seus três amigos (Sadraque, Mesaque e Abede-Nego) eram os mais importantes conselheiros do rei e ocupavam “as melhores posições na província da Babilônia” (Dn.3:30). Neemias era copeiro e amigo do rei (Ne.1:11), para quem pôde abrir seu coração sobre seus sentimentos em relação ao seu povo judeu e teve do rei a autorização para ir a Jerusalém e agir conforme bem entendesse (Ne.2:1-8). Semelhantemente, Mardoqueu “era influente no palácio; sua fama espalhou-se pelas províncias, e ele se tornava cada vez mais poderoso” (Et.9:4), sendo ele “o segundo na hierarquia, depois do rei Xerxes” (Et.10:3). E Ester, também judia, era “somente” a rainha (Et.7:1).
Os judeus, mesmo sob a condição de servos do império babilônico, medo-persa, grego ou romano, sempre tiveram seus próprios governadores, e basta uma leitura simples nos evangelhos para perceber que os judeus da época, mesmo sob a autoridade de Roma, viviam em plena liberdade de ir e vir, sem serem “escravos” de ninguém (Jo.8:33).
Portanto, é simplesmente incorreto inferir que estes povos conquistados, por estarem sob a condição legal de “servos” de um império dominante, eram por conseguinte “escravos” no sentido clássico da palavra. Essa “escravidão”, se é que pode ser chamada assim, se resumia a obedecer as leis civis do povo dominante e a pagar-lhe tributo (imposto). Neste sentido, os cidadãos do Brasil Colônia eram “escravos” de Portugal (para quem tinham que pagar “o quinto”), e até hoje no Brasil trabalhamos cinco meses apenas para pagar os impostos[33], e mesmo assim não nos consideramos “escravos” do Estado.
Considerações Adicionais
Quando discorremos sobre a escravidão no Antigo Testamento, é sempre necessário entendermos dois contextos. Primeiro, o contexto do próprio texto bíblico em si, analisando cuidadosamente os versos anteriores e posteriores, o que a Bíblia como um todo diz sobre o assunto e, quando necessário, o que os termos significam nos originais. Isso porque, como vimos, a maioria das vezes em que um neo-ateu arremete contra o Cristianismo usando a questão da escravidão é tirando textos do contexto, aplicando uma escravidão clássica monstruosa para dentro de textos bíblicos que nem de longe estão tratando disso.
O segundo contexto que sempre temos que ter em mente é o contexto histórico. Deus não estava escrevendo aquelas páginas da lei para os brasileiros do século XXI, mas para os judeus dos tempos de Moisés (por volta de 1500 a.C). Há certas coisas que claramente não se aplicam a nós em nossos dias. Uma das leis mosaicas dizia que o homem devia enterrar suas fezes (Dt.23:13). Naquela época, isso fazia sentido para evitar a contaminação. Mas hoje temos uma moderna rede de esgotos e aparelhos sanitários que fazem isso de forma muito mais eficiente.
A lei de Moisés, como um todo, serviu para uma época específica, a qual era a “sombra dos bens vindouros” (Hb.10:1). Uma vez que estes bens vindouros já chegaram (na nova aliança), já não precisamos mais seguir a sombra (lei do Antigo Testamento), pois já temos a realidade, que é Jesus. É por isso que os apóstolos no Novo Testamento sempre fizeram questão de ressaltar que a antiga aliança (preceitos do Antigo Testamento) já havia dado lugar a uma “nova aliança”, de modo que nós em nossos dias já não estamos debaixo da antiga lei.